A lacração de um celular não limita apenas um dispositivo: retira direitos fundamentais, como o direito de defesa, a liberdade de informação e o acesso à estratégia jurídica, o que é inaceitável em um Estado Democrático de Direito
Na segunda-feira (5/5), o jornal Estadão divulgou um artigo de Márcio Nogueira, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Rondônia (OAB RO), intitulado “A democracia não se lacra”. Neste texto, Nogueira enfatiza a importância das prerrogativas da advocacia e seu papel vital na proteção do Estado Democrático de Direito.
A reflexão dele surge após a decisão do STF de lacrar os celulares dos presentes, incluindo advogados, durante o julgamento do “núcleo 2” dos atos antidemocráticos. Nogueira alerta que, mesmo apresentadas como medidas pontuais, ações assim podem criar precedentes perigosos, comprometendo garantias fundamentais.
Leia o artigo na íntegra:
A proibição do uso de celulares durante um caso específico no STF, embora considerada pontual, tem o potencial de se transformar em um precedente. Quando se estabelecem precedentes, surgem riscos. Limites que, ao serem ultrapassados, revelam sinais alarmantes de erosão democrática.
A recente decisão de lacrar os celulares de todos os presentes, incluindo advogados de defesa, durante a sessão sobre atos antidemocráticos, despertou um alerta para a advocacia no Brasil. Não se discute a gravidade do caso, mas se reitera que nenhuma situação, por mais crítica que seja, está acima da Constituição.
Esse evento mais do que uma ação isolada, representa uma lógica de contenção que deve ser confrontada. Medidas que afetam garantias fundamentais não podem ser normalizadas, especialmente quando atacam prerrogativas essenciais ao funcionamento da Justiça.
A advocacia não existe em um vácuo. Um celular não é um simples acessório — é uma ferramenta essencial. Nele estão agendas, documentos, contatos de clientes e provas. Impedir seu uso é cercear o exercício pleno da profissão, bloqueando a comunicação legítima entre o advogado e o cliente.
A OAB já se manifestou, reforçando que essa medida não deve ser replicada em outras sessões. Mais importante ainda, é necessário estar atento ao que acontece em todas as instâncias judiciais, para que o modelo de justiça que estamos construindo seja claro, legítimo e constitucional, respeitando as prerrogativas da advocacia como garantias institucionais, não como concessões temporárias.
Em uma resposta direta, o Conselho Federal da OAB e o Colégio de Presidentes reafirmaram que a exigência de lacração de celulares atenta contra o livre exercício da advocacia e os direitos de defesa. A entidade orienta que advogados rejeitem a medida, pois carece de respaldo legal e fere o Estatuto da Advocacia. Caso a imposição persista, a recomendação é clara: não participar do ato e comunicar à Ordem. A defesa das prerrogativas é um dever institucional inegociável.
Ao lacrar um celular, retira-se mais do que um aparelho: comprometem-se o direito de defesa, a liberdade de informação e o acesso à estratégia jurídica. Isso não é aceitável em um Estado Democrático de Direito.
Já enfrentamos tentativas de silenciar ou limitar a advocacia sob a justificativa de segurança. Lutamos contra o afastamento de juízes e defendemos que essas repetições muitas vezes refletem direitos negados — e não abusos.
Mais uma vez, ergueremos nossa voz. Justiça não existe sem advogados. Liberdade não existe sem imprensa. E democracia não se sustenta quando se silencia quem defende direitos. A advocacia se manterá alerta. A OAB não se omitirá. Nossa resposta será a defesa firme da cidadania, da legalidade e da coragem. Em tempos difíceis, é fundamental lembrar: a democracia não se lacra.
Márcio Nogueira
Presidente da OAB Rondônia.
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