MPF recomenda medidas contra a violência obstétrica e para o respeito à cultura de mulheres indígenas em Rondônia

Este documento visa humanizar o atendimento, garantir o protagonismo das gestantes e incorporar práticas culturais tradicionais na saúde.

Ministério Público Federal em Rondônia

O Ministério Público Federal (MPF) emitiu uma recomendação ao Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI), à Casa de Saúde Indígena (Casai), ao Governo do Estado de Rondônia e à Secretaria Estadual de Saúde (Sesau/RO). Esta ação busca que os destinatários implementem medidas urgentes para prevenir e erradicar a violência obstétrica contra mulheres indígenas, respeitando suas tradições culturais durante a gestação, o parto e o pós-parto.

A iniciativa surgiu após relatos frequentes de violência psicológica e física, analisados em um procedimento administrativo e na audiência pública realizada em 2 de julho de 2025. Um caso específico, ocorrido em março de 2024, destacou que uma parturiente indígena não recebeu a declaração de óbito e foi impedida de levar o corpo do feto para a cerimônia fúnebre, contrariando os costumes de sua etnia, o que causou grande sofrimento psicológico à família.

Relatos de violência e perda de autonomia – Durante a audiência pública, foram mencionadas práticas que configuram violência obstétrica, como a recusa em respeitar o desejo da gestante pelo parto normal, cesarianas excessivas sem a devida informação, descarte de natimortos sem consentimento e violação do direito a acompanhante. Também foram relatadas situações de desrespeito pela equipe de saúde, com comentários como: “na hora de virar os olhos não reclamou” ou “no próximo ano você estará aqui de novo”.

A recomendação reitera que a violência obstétrica é considerada conduta abusiva pela Lei Estadual nº 4.173/2017 de Rondônia, que define como tal o ato de recriminar a parturiente por expressar dor, tratar a mulher de forma inferior ou ignorar suas decisões. Para o MPF, essas práticas despojam a mulher de seu protagonismo durante o parto e violam direitos fundamentais, como a dignidade humana e a autonomia sobre o seu corpo.

Respeito cultural e autonomia da gestante – Entre as medidas sugeridas, o MPF recomenda o desenvolvimento de um Plano de Parto Indígena, um protocolo a ser elaborado em conformidade com a realidade cultural e as preferências da gestante, conforme a legislação do Sistema Único de Saúde (SUS) e a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Para assegurar um parto culturalmente apropriado, as instituições devem criar um plano de ação que desenvolva espaços e salas de parto com mobiliário que respeitem os costumes de cada etnia. É fundamental também garantir a autonomia da mulher por meio de consentimento informado para procedimentos invasivos e assegurar seu direito a ter um acompanhante de sua escolha em todas as consultas e procedimentos.

Cuidado humanizado e apoio ao luto – As recomendações também buscam eliminar o mau atendimento e o uso de linguagem depreciativa, promovendo boas práticas e tratamento respeitoso. Nos casos de perda gestacional, o MPF pede a humanização do luto materno e parental, permitindo que as famílias se despedam adequadamente, decidam sobre sepultamento ou cremação e realizem rituais funerários de acordo com suas crenças. Adicionalmente, deve ser estabelecido um protocolo para a emissão da declaração de natimorto e sua entrega aos pais, mesmo que o feto não atinja os parâmetros médicos exigidos, de modo a prevenir traumas psicológicos à família.

Direitos humanos e respeito à diversidade – A recomendação foi assinada pela procuradora da República Caroline de Fátima Helpa e pelo procurador da República Leonardo Trevizani Caberlon. Segundo eles, a medida busca garantir que os serviços de saúde honrem a realidade cultural dos povos indígenas e combatam práticas de violência obstétrica que violam a dignidade humana e o direito constitucional à saúde.

Prazos e encaminhamentos – Os órgãos destinatários têm um prazo de 30 dias para informar ao MPF se acatarão a recomendação e quais medidas serão implementadas. O não cumprimento pode resultar em medidas administrativas e judiciais contra os gestores e responsáveis.

Cópias da recomendação foram enviadas à Coordenação dos Cursos de Medicina e Enfermagem da Universidade Federal de Rondônia (Unir) para análise e inclusão de conteúdos relevantes sobre a cultura indígena nos currículos.

Recomendação Conjunta nº 5/2025

Procedimento nº 1.31.001.000136/2025-44

Arte: Secom/MPF