A proteção integral de crianças e adolescentes é um dever constitucional que exige esforços contínuos e colaborativos entre famílias, sociedade e governo. Em Rondônia, assim como em outras partes do Brasil, temos enfrentado grandes desafios para que nossos jovens possam crescer sem serem vítimas de violência, exploração e trabalho infantil.
Neste artigo, vamos explorar a situação da proteção à infância e adolescência em nosso estado, destacando o quadro legal, as políticas públicas em vigor e os obstáculos que ainda precisamos superar para assegurar direitos fundamentais.
Marco Legal da Proteção Infantojuvenil
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, define que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de protegê-los de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Esse princípio foi regulamentado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei Federal nº 8.069/1990, que estabelece a doutrina da proteção integral, reconhecendo crianças e adolescentes como sujeitos de direitos em fases particulares de desenvolvimento.
Mais recentemente, a Lei 13.431/2017 criou um sistema de garantias de direitos para crianças e adolescentes que são vítimas ou testemunhas de violência, implementando ferramentas como a escuta especializada e o depoimento especial, essenciais para evitar a revitimização.
A Realidade em Números
Os dados nacionais sobre violência contra crianças e adolescentes são alarmantes. O relatório “Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil 2021-2023”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e UNICEF, registrou 15.101 mortes violentas e 164.199 casos de abuso sexual entre jovens de 0 a 19 anos nesse período.
O perfil das vítimas expõe uma dura realidade: 91,6% das vítimas de homicídio têm entre 15 e 19 anos, 90% são meninos e 82,9% são negros. O risco de homicídio para adolescentes negros do sexo masculino é 4,4 vezes maior que para adolescentes brancos.
Em relação ao trabalho infantil, dados do IBGE revelam que, em 2023, 1,6 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos estavam envolvidos em trabalho infantil no Brasil, com 586 mil nas piores formas. Apesar da redução de 14,6% em relação a 2022, os números permanecem preocupantes.
Políticas Públicas em Rondônia
O estado tem implementado importantes iniciativas para fortalecer a proteção à infância e adolescência. Entre elas, destaca-se o Programa Criança Protegida, promovido pela Secretaria da Mulher, da Família, da Assistência e do Desenvolvimento Social (Seas), que visa consolidar o Sistema de Garantia de Direitos (SGD) da Criança e do Adolescente.
O programa atua em três frentes principais: capacitação de agentes do SGD, promoção do Sistema de Informação para Infância e Adolescência (SIPIA) e fortalecimento dos Conselhos Tutelares nos 52 municípios do estado.
Em Porto Velho, a Prefeitura, através da Secretaria Municipal de Assistência Social e Família (Semasf), fez um avanço significativo com o lançamento dos Fluxos e Protocolos de Atendimento para crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, seguindo as diretrizes da Lei 13.431/2017.
Essa iniciativa é parte do Projeto Arco Norte, estabelecido em 2021 em colaboração com a Childhood Brasil e a Cargill, com o objetivo de fortalecer a rede de proteção em Porto Velho (RO) e Santarém (PA).
Para abordar o trabalho infantil, Porto Velho criou a Política Municipal de Prevenção, Combate e Erradicação do Trabalho Infantil (Lei nº 2.356/2016), que define diretrizes para um atendimento integral e interdisciplinar a crianças, adolescentes e suas famílias, além de promover mudanças culturais e melhorar a intersetorialidade das políticas públicas.
Desafios Persistentes
Apesar dos avanços, ainda enfrentamos desafios significativos. Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) de 2023 indicam que em Porto Velho ocorreram 110 casos de estupro, 101 de violência física, 97 de violência psicológica, 33 de negligência e 1 caso de exploração sexual envolvendo crianças e adolescentes.
O Disque 100 mostra que a maioria das agressões acontece no ambiente familiar, onde 61,2% dos agressores são familiares ou pessoas conhecidas.
Entre os principais desafios identificados estão:
1. A articulação deficiente entre os órgãos do Sistema de Garantia de Direitos: Há lacunas na integração entre os diversos setores (assistência social, saúde, educação, segurança pública, justiça) que comprometem a eficácia das ações.
2. A subnotificação de casos: Muitas situações de violência não são reportadas às autoridades devido a medo, falta de conhecimento ou a normalização da violência.
3. A escassez de profissionais capacitados: Municípios menores e mais isolados enfrentam a falta de profissionais devidamente formados para atendimento especializado.
4. Questões culturais: Práticas que legitimam o trabalho infantil, especialmente nas áreas rurais, e a utilização da violência como método disciplinar continuam presentes em nossa sociedade.
5. Dificuldades na fiscalização em regiões remotas: A vasta extensão territorial de Rondônia e a presença de comunidades isoladas dificultam o acesso para as equipes de proteção e fiscalização.
Avanços e Iniciativas Recentes
Em resposta a esses desafios, Rondônia tem intensificado suas ações. O estado participou recentemente da “Operação Caminhos Seguros 2025”, realizada entre 2 e 18 de maio, uma ação coordenada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública para enfrentar a violência contra crianças e adolescentes.
Esta operação envolveu múltiplos órgãos estaduais e federais, como Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros, Conselhos Tutelares, Ministério Público e a Secretaria de Estado da Mulher, da Família, da Assistência e do Desenvolvimento Social, atuando nas áreas mais vulneráveis.
Em Porto Velho, o Comitê Municipal de Enfrentamento às Violências, criado em 2023, tem promovido capacitações técnicas e a elaboração de fluxos e protocolos de atendimento. O município também intensificou campanhas de conscientização, incluindo palestras em escolas e ações no Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, celebrado em 18 de maio.
Outra iniciativa importante foi a sanção da Lei nº 6.020, em 9 de maio de 2025, pelo Governo de Rondônia, que fortalece a proteção de crianças e adolescentes no estado, buscando proporcionar um ambiente mais saudável para seu desenvolvimento.
O Papel da Sociedade e dos Profissionais do Direito
Como advogado e defensor dos direitos humanos, acredito que a proteção de crianças e adolescentes não é uma responsabilidade exclusiva do governo. É fundamental que toda a sociedade se engaje nessa causa, denunciando abusos e apoiando iniciativas de prevenção e conscientização.
Os profissionais do Direito desempenham um papel crucial nesse processo. Além de atuarem em casos específicos, devem também ajudar a disseminar informações sobre os direitos das crianças e adolescentes e os canais de denúncia disponíveis.
Em Rondônia, contamos com uma rede de proteção que abrange Conselhos Tutelares, Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente, Ministério Público, Defensoria Pública e Varas da Infância e Juventude. O Disque 100 também é um canal nacional gratuito para denunciar violações de direitos humanos.
A proteção integral de crianças e adolescentes é um desafio complexo que requer o envolvimento contínuo de toda a sociedade. Em Rondônia, temos feito progressos significativos na implementação de políticas públicas e no fortalecimento da rede de proteção, mas ainda há muito a ser realizado.
É essencial que prossigamos investindo na capacitação de profissionais, na coordenação entre os órgãos do Sistema de Garantia de Direitos e na conscientização da sociedade sobre a importância de assegurar proteção contra violência, exploração e trabalho infantil.
Como sociedade, precisamos superar o silêncio que muitas vezes encobre violações de direitos e assumir nosso papel na construção de um ambiente seguro e saudável para o pleno desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Garantir os direitos da infância e adolescência não é apenas uma responsabilidade legal, mas um compromisso ético com o futuro de nossa sociedade.
Referências
1. Brasil. Constituição Federal de 1988, artigo 227.
2. Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente).
3. Brasil. Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017.
4. UNICEF/Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil 2021-2023.
5. IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua 2023.
6. Governo do Estado de Rondônia. Programa Criança Protegida. Disponível em: https://rondonia.ro.gov.br/seas/programas-e-projetos/programa-crianca-protegida/
7. Prefeitura de Porto Velho. Implementação da Lei 13.431/2017. Disponível em: https://www.portovelho.ro.gov.br/artigo/47904/protecao-porto-velho-avanca-na-protecao-de-criancas-e-adolescentes-vitimas-de-violencia-com-a-implementacao-da-lei-134312017
8. Prefeitura de Porto Velho. Política Municipal de Prevenção, Combate e Erradicação do Trabalho Infantil. Lei nº 2.356, de 27 de outubro de 2016.
9. Governo do Estado de Rondônia. Operação Caminhos Seguros 2025. Disponível em: https://rondonia.ro.gov.br/rondonia-se-mobiliza-na-operacao-caminhos-seguros-2025-para-proteger-criancas-e-adolescentes-da-violencia/
10. Ministério Público do Estado de Rondônia. Disponível em: https://www.mpro.mp.br/pages/comunicacao/noticias/view-noticias/1014668
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