A responsabilidade pela saúde em Rondônia | Tudo Rondônia

Nas últimas semanas, a saúde da população e a gestão de recursos públicos têm sido temas centrais de debate. De um lado, o Governo do Estado propõe a contratação de uma instituição privada para enfrentar a crise no setor hospitalar. Do outro, entidades médicas e profissionais da saúde, junto a especialistas renomados, defendem que essa medida é arriscada e pode desviar verbas essenciais.

A realidade das instituições de saúde em Rondônia é alarmante. O Hospital e Pronto-Socorro João Paulo II exemplifica os múltiplos problemas que afligem pacientes, médicos e equipes de atendimento. A infraestrutura é precária, com a falta de leitos, equipamentos e medicamentos, evidenciando uma crise que se estende por anos, refletindo-se também em outros locais do estado, como a Unidade de Assistência Médica Intensiva (AMI) e o Hospital de Retaguarda.

Diante desse cenário, é urgente que o Governo do Estado tome medidas eficazes para oferecer soluções que atendam as necessidades da comunidade. A gestão da saúde é uma das mais desafiadoras, exigindo considerável investimento e enfrentando demandas urgentes e rigorosos regulamentos. Portanto, ações apressadas suscitam preocupações.

Recentemente, o Governo de Rondônia divulgou a intenção de contratar uma empresa para administrar hospitais estaduais. Após um debate intenso, a Controladoria-Geral do Estado (CGE) recomendou a suspensão do processo devido aos riscos potenciais para a administração pública, sugerindo uma avaliação cuidadosa sobre a validade dessa abordagem e possíveis falhas no planejamento inicial.

As condições precárias nas emergências e enfermarias expõem o caos enfrentado diariamente por pacientes e profissionais da saúde. Contudo, não está claro se essa decisão foi discutida com médicos e outros setores da sociedade, vindo de uma perspectiva vertical, o que demonstra uma falta de maturidade na condução de assuntos de interesse público.

A recomendação da CGE oferece ao Governo do Estado a oportunidade de reassumir esse processo de forma transparente e eficiente. Para isso, é fundamental que o projeto seja apresentado em detalhes, permitindo a participação da sociedade e de profissionais na elaboração de possíveis ajustes.

A Lei nº 9.637/1998, ou “Lei das Organizações Sociais”, estabelece as diretrizes para a contratação de instituições desse tipo no Brasil, regulamentando a qualificação de entidades privadas sem fins lucrativos e definindo o contrato de gestão como o meio formal de parceria.

Para a área da saúde, esse contrato deve obedecer também a legislações estaduais complementares e as leis federais nº 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde) e nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações). Esses instrumentos asseguram a clareza em aspectos como objetivos, metas, indicadores de desempenho, recursos financeiros e, principalmente, formas de acompanhamento e responsabilização.

Embora haja defensores da gestão por Organizações Sociais, vários casos no Brasil ilustram falhas nesse modelo. Em Santa Catarina, por exemplo, uma organização social que gerenciava o Hospital Regional de São José enfrentou denúncias de irregularidades, desvio de verbas e baixa qualidade no atendimento. Em São Paulo, a Operação Raios-X do Ministério Público investigou um esquema de corrupção ligado às OSs que administravam hospitais durante a pandemia de covid-19, revelando a falta de controle que facilitou abusos.

Nesses casos, a dificuldade de acesso a informações sobre contratos, custos e resultados é um padrão, assim como a supervisão inadequada por parte do governo. Essas falhas favorecem a corrupção e a priorização do lucro em detrimento da qualidade do serviço, resultando em cortes que impactam negativamente atendimento e condições de trabalho.

Perante essa realidade, questiona-se se o Governo de Rondônia possui a capacidade necessária para efetivamente monitorar a atuação de uma Organização Social na área da saúde. Vale lembrar que, após 14 anos, o governo não conseguiu fazer com que a empresa contratada finalizasse as obras do Hospital de Urgência e Emergência (Heuro) em Porto Velho, levando ao cancelamento do contrato após gastos significativos. Isso, sem dúvida, levanta dúvidas sobre uma possível parceria com uma OS.

Os Conselhos de Medicina (Federal e Regional de Rondônia), assim como a CGE, o Tribunal de Contas e o Ministério Público, estão atentos a essa situação. Não se deve permitir que o atual quadro caótico na saúde pública seja usado como justificativa para tomar decisões que podem agravar ainda mais os problemas existentes, mesmo que com as melhores intenções. Um gestor competente não terceiriza suas responsabilidades, mas busca soluções em diálogo com a sociedade e respeitando as leis.

José Hiran da Silva Gallo

Presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM)