A viagem de 220 quilômetros entre Porto Velho, capital de Rondônia, e Cujubim ilustra a devastação da Floresta Amazônica. À medida que a estrada avança, a vegetação densa é substituída por pastagens queimadas e vastos campos de soja, gerando um triste mosaico de tons ocres no lugar do verde vibrante do ecossistema. O sol inclemente aquece o solo, alcançando temperaturas de até 45 °C neste início de outubro, fazendo o ar vibrar em ondas quentes.
No entanto, a atmosfera muda ao se entrar na Fazenda Manoa, nos arredores de Cujubim. A temperatura cai instantaneamente mais de cinco graus, o ar se torna úmido e o aroma da terra molhada prevalece sobre a poeira. A floresta revela seu esplendor: o som do estalar de galhos, o zumbido de insetos, os gritos das araras e os chamados distantes dos macacos bugio formam uma sinfonia encantadora.
A Fazenda abriga o projeto REDD+ Manoa, uma iniciativa de manejo florestal sustentável que integra a extração controlada de madeira à geração de créditos de carbono. Esta experiência é uma demonstração de que a Amazônia ainda pode ser um símbolo de riqueza, mesmo nas fronteiras do desmatamento. “Nosso objetivo sempre foi provar que a preservação também pode ser lucrativa”, destaca Murilo Granemann, diretor da Manoa.
A reportagem visitou a fazenda como parte da Expedição VEJA, uma jornada pelo Brasil para explorar projetos inovadores em sustentabilidade e abordar temas pertinentes à COP30, a Conferência do Clima da ONU que ocorrerá em novembro em Belém, no Pará.
A Fazenda Manoa abrange cerca de 75.000 hectares de floresta original em Cujubim, uma das áreas mais ameaçadas de Rondônia. O projeto REDD+ — que se traduz em Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal — oferece incentivos financeiros para a preservação, transformando a conservação em uma fonte de renda. A metodologia combina manejo florestal de impacto reduzido com a proteção de amplas áreas de vegetação, criando um modelo sustentável de exploração.
A extração de madeira é feita de forma criteriosa, com árvores selecionadas com base em inventários detalhados e normas rígidas de sustentabilidade. Apenas árvores maduras, isoladas e de espécies comercialmente viáveis são retiradas, utilizando técnicas que reduzem o impacto no solo e na regeneração natural.
O ciclo de manejo é minuciosamente planejado; uma área só é revisitada para corte após cerca de 30 anos, um período suficiente para a recuperação total da floresta. Durante este intervalo, parcelas são monitoradas por GPS, drones e auditorias externas, para assegurar que a biodiversidade e o volume de madeira extraído não sejam comprometidos. Enquanto isso, as áreas preservadas contribuem para a geração de créditos de carbono, vendidos a empresas que procuram compensar suas emissões. “É um modelo pioneiro na Amazônia”, ressalta Granemann.

Dessa maneira, a Fazenda Manoa gera receitas a partir da extração planejada de madeira e da venda de créditos de carbono. A abordagem controlada de corte permite que a floresta continue a armazenar carbono, elemento que, se liberado, contribui para o aquecimento global. Cada tonelada de carbono “retida” se transforma em um crédito que é vendido a empresas interessadas em compensar suas emissões. Dentre as empresas que já adquiriram créditos da Manoa estão Volkswagen, Natura e Ipiranga.
Desde 2013, o projeto tem evitado a emissão de aproximadamente 279.000 toneladas de CO₂ por ano, totalizando mais de 2,5 milhões de toneladas. Os recursos gerados pela madeira e pelos créditos financiam toda a operação, cobrindo salários, investindo em tecnologias de monitoramento da floresta e mantendo o ciclo de manejo sustentável.
Adicionalmente, o projeto gera oportunidades de emprego qualificado e capacitação para a comunidade local, enquanto protege a biodiversidade, preservando corredores ecológicos e espécies nativas. “O modelo da Manoa demonstra, na prática, que é possível integrar lucro, conservação e desenvolvimento regional, provando que a Amazônia pode ser economicamente viável e ambientalmente sustentável ao mesmo tempo”, aponta Hermínio Fernandes, gerente florestal da fazenda.

A Fazenda Manoa é um verdadeiro refúgio de biodiversidade, onde a floresta original permanece em grande parte intocada, abrigando uma variedade rica de vida selvagem. Dezesseis câmeras estão estrategicamente posicionadas pela propriedade, registrando a presença diária de animais raros e ameaçados, incluindo 11 onças-pintadas — uma delas fêmea — além de antas, macacos-prego e aves como o jacu, o mutum e o jacamim. Ao todo, mais de 410 espécies foram catalogadas, das quais 14 estão ameaçadas de extinção.
Além disso, a Manoa protege cerca de 170 espécies arbóreas, seis das quais correm risco de desaparecimento, e fornece abrigo para cerca de 250 espécies de aves, criando um vibrante mosaico de cores e sons. Essa diversidade não é apenas impressionante; ela desempenha um papel ecológico vital.
Isso porque a Fazenda conecta duas importantes unidades de conservação vizinhas, a Floresta Nacional do Jacundá e a Floresta Nacional do Jamari, formando corredores florestais que facilitam a circulação de espécies, a reprodução de animais e a manutenção dos ciclos naturais.
“Neste território, podemos observar a Amazônia funcionando como um sistema integrado, onde cada árvore, ave e mamífero desempenham um papel crucial no equilíbrio da floresta, reforçando a Manoa como um exemplo notável de preservação e manejo sustentável”, afirma Fernandes.

De acordo com especialistas, o potencial dos créditos de carbono na Amazônia é imenso e pode transformar a floresta em um motor econômico para o Brasil. “Atualmente, o mercado de carbono na Amazônia e na Mata Atlântica já ultrapassa os 20 dólares por crédito — e cada crédito representa uma tonelada de CO₂ que deixa de ser emitida ou que é removida da atmosfera através do reflorestamento”, explica o climatologista Carlos Nobre, pesquisador do INPE.
“Casos significativos, como o da empresa Mombak, que recebeu 130 milhões de dólares da Microsoft por créditos de restauração que foram vendidos a cerca de 50 dólares cada, evidenciam o crescente potencial econômico desse setor,” acrescenta Nobre.
Ele menciona que áreas degradadas da Amazônia podem remover entre 11 e 12 toneladas de carbono por hectare anualmente, enquanto áreas recentemente desmatadas podem alcançar 16 ou 18 toneladas por ano. “Mesmo com o crédito a 20 dólares, isso representa uma renda entre 220 e 360 dólares por hectare por ano, um retorno significativamente maior do que a pecuária convencional, que gera em média de 50 a 60 dólares por hectare.”
O cientista ressalta que, além do valor dos créditos, existem vantagens adicionais a longo prazo. “Com o tempo, é possível desenvolver sistemas agroflorestais, que começam a produzir depois de seis a sete anos. Isso assegura uma produção sustentável, diversificada e mais lucrativa do que a soja ou a criação de gado.”
Para Nobre, investir na restauração florestal é tanto uma oportunidade econômica quanto uma necessidade climática. “A Amazônia está à beira de um ponto sem retorno, especialmente em estados como Rondônia. Precisamos interromper o desmatamento e restaurar áreas degradadas para evitar um colapso climático regional.”
Ele menciona iniciativas como o programa do BNDES para o Arco da Restauração, que oferece empréstimos a 1% ao ano para projetos de reflorestamento, e doações integrais em áreas indígenas e quilombolas. “A meta é restaurar seis milhões de hectares no sul da Amazônia até 2030 e 18 milhões até 2050. O investimento total é em torno de 40 bilhões de dólares, mas o retorno ambiental e econômico é incalculável. Estamos falando de uma transformação estrutural — uma nova economia verde para a Amazônia e para o Brasil.”

Apesar do sucesso do modelo, equilibrar lucro e conservação não é tarefa simples. Os custos de auditorias, certificações e monitoramento tecnológica são elevados, e o mercado de carbono ainda é volátil, sujeito a oscilações de preços e mudanças regulatórias.
A fiscalização da região também apresenta riscos, já que pastagens e áreas agrícolas adjacentes continuam a avançar sobre a floresta, e o desmatamento ilegal é uma ameaça constante.
Outro desafio reside na mentalidade local. Em Rondônia, a abordagem de ocupar, desmatar e cultivar grãos, estabelecida durante a ditadura militar nos anos 70, é ainda considerada a maneira mais rápida de enriquecer. Convencer a comunidade de que é possível lucrar através da preservação requer tempo e educação ambiental. Além disso, especialistas alertam para o risco de greenwashing, quando empresas adquirem créditos de carbono apenas para melhorar sua imagem sem de fato reduzir suas próprias emissões.
Mesmo diante dessas dificuldades, Granemann reafirma que “cada hectare preservado representa uma vitória para a Amazônia e a economia local”, ilustrando que, apesar dos obstáculos, o modelo da Manoa oferece uma alternativa viável e replicável de desenvolvimento sustentável.

Os créditos de carbono não apenas possibilitam a proteção da floresta, mas também sustentam iniciativas sociais fundamentais. Em Cujubim, graças à Manoa, “esse financiamento tem permitido a construção de escolas, programas de capacitação profissional e ações de educação ambiental que impactam diretamente a comunidade local”, afirma Caio Gallego, gerente de Carbono da Ambipar.
Entre as várias concretizações desse projeto está a construção de uma creche que atende quase 500 crianças, com uma segunda unidade em andamento. A Ambipar atua como parceira estratégica da Fazenda Manoa na gestão e comercialização desses créditos, realizando o cálculo do carbono armazenado na floresta, validando os créditos segundo padrões internacionais de certificação e inserindo-os no mercado, ligando a Manoa a empresas que buscam compensar suas emissões.
Ainda, oferece suporte técnico e monitoramento contínuo, auxiliando a Fazenda a manter registros precisos das áreas preservadas, do volume de madeira extraída e do sequestro de carbono, garantindo a transparência e credibilidade do projeto.
Na Manoa, a floresta é mais do que um recurso; é vida em movimento, um futuro assegurado. Cada árvore em pé, cada hectare que sequestra carbono, cada criança em uma creche contribui para a rede que mantém a Amazônia viva. O projeto demonstra que a floresta pode ser uma fonte de riqueza, conhecimento e esperança, e que proteger a Amazônia é, acima de tudo, cuidar de um legado coletivo.
“Nosso objetivo, mais do que proteger a floresta hoje, é deixar um legado para as próximas gerações, garantindo que a Amazônia continue viva, rica e sustentável”, afirma Murilo Granemann.

Referência: https://veja.abril.com.br/noticias-sobre/expedicao-veja/
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