Massacre de Corumbiara completa 30 anos: um dos mais violentos conflitos agrários do país

A polícia e pistoleiros atacaram um acampamento com armamento pesado; uma menina de 7 anos foi uma das vítimas. Trinta anos depois, sobreviventes permanecem sem reparação, enquanto Rondônia registra as maiores taxas de homicídios por conflitos fundiários.

Trinta anos atrás, 12 pessoas, incluindo uma criança de 7 anos, perderam a vida em um dos episódios mais sangrentos dos conflitos agrários no Brasil: o massacre de Corumbiara. A Polícia Militar e pistoleiros invadiram uma área ocupada por trabalhadores sem-terra na Fazenda Santa Elina, resultando em um confronto repleto de denúncias de tortura, execuções e impunidade.

🔍 Contexto: A Fazenda Santa Elina, com cerca de 20 mil hectares, foi ocupada em 15 de julho de 1995 por aproximadamente 2.300 trabalhadores sem-terra, incluindo adultos, idosos e crianças. Eles reivindicavam a área para assentamento, uma vez que havia irregularidades em sua titulação judicial.

➡️ O Conflito: Polícias e pistoleiros atacaram o acampamento de surpresa durante a madrugada, utilizando armamento pesado. A estratégia de cerco e o elemento surpresa dificultaram a resistência dos camponeses. Oficialmente, 12 pessoas morreram, incluindo a menina Vanessa dos Santos Silva, de 7 anos, e dezenas ficaram feridas.

Passados três décadas, o trauma ainda persiste na vida dos sobreviventes e de seus descendentes. Movimentos e organizações ligadas às vítimas do massacre afirmam que as famílias ainda não receberam indenização.

“O comum é o trauma; muitos não conseguem falar sobre isso, foi extremamente traumatizante. Apesar de uma decisão da Corte Interamericana, as indenizações ainda não foram pagas. Essa questão de reparações e proteção territorial é urgente”, afirma Welington Lamburgini, da Coordenação Regional da CPT Rondônia.

Massacre de Corumbiara completa 30 anos: um dos mais violentos conflitos agrários do país
Manifestação em memória dos 30 anos do massacre de Corumbiara — Foto: Arquivo Pessoal

🧭 Linha do tempo do massacre

Um estudo recente, realizado pelos pesquisadores Regina Coelly Fernandes Saraiva, José Humberto de Góes Junior, Arthur Erik Monteiro Costa de Brito e Guinter Tlaija Leipnitz, intitulado “Massacre camponês de Corumbiara: impunidades no passado e presente da violência no campo”, traça uma cronologia dos eventos que antecederam, ocorreram e sucederam o massacre.

Antes do massacre

Crescimento populacional em Rondônia (década de 1970): Aumento de 400%, predominantemente rural, atraindo cerca de 25 mil colonos e suas famílias.

1980-1990: Ocupações de terras impulsionadas por ilegalidades na concentração de propriedades e pela mobilização dos camponeses.

1993: Terras adjacentes à Fazenda Santa Elina são ocupadas e transformadas em assentamento.

Ano do massacre

14 de julho de 1995: Cerca de 600 ocupam 150 hectares da Fazenda Santa Elina, considerada improdutiva devido a grilagem e falta de documentação.
18 de julho de 1995: A Justiça de Rondônia determina a reintegração de posse e o despejo das famílias com apoio policial em caso de resistência.

19 de julho de 1995: A polícia e um oficial de justiça tentam a reintegração, mas os camponeses resistem ao despejo.

Véspera do Massacre (8 de agosto de 1995): Negociação entre líderes camponeses e policiais resultou em um acordo que adiou a saída das famílias.

9 de agosto de 1995 (Madrugada): A Polícia Militar e pistoleiros atacam o acampamento.

Pós-massacre

1996: O Ministério Público Estadual apresenta acusações contra os responsáveis: quatro sem-terra, 19 policiais, um fazendeiro (Antenor Duarte do Valle) e seu assistente.
Quatro anos depois (1999), Claudemir Ramos (“Pantera”), Cícero Pereira Neto (ex-dirigente Nacional do MST) e três policiais são condenados. O fazendeiro indicado como mandante é absolvido e não enfrenta o Tribunal do Júri.

2004: Os recursos judiciais se esgotam, encerrando o processo legal.

O massacre levou Rondônia e o Brasil a serem denunciados na Comissão Interamericana dos Direitos Humanos (CIDH), da Organização dos Estados Americanos (OEA), por violação ao direito à vida e outros direitos humanos. O estado recebeu várias recomendações, incluindo o pagamento de indenizações às vítimas.

Como chegamos a essa violência?

O artigo indica que a violência em Rondônia possui raízes históricas. Durante a Ditadura Militar, o governo favoreceu a concentração de terras nas mãos de grandes empresários e latifundiários à custa dos camponeses pobres e sem-terra.

As terras férteis, como as da Fazenda Santa Elina, foram atribuídas a grandes produtores, enquanto as famílias migrantes recebiam lotes de baixa qualidade ou eram exploradas como mão de obra barata. Essa política, somada a um alto número de migrantes sem terra e à grilagem, criou um caldo de cultura para conflitos.

A violência agrária ressurge às vésperas dos 30 anos do massacre de Corumbiara

Na véspera do trigésimo aniversário do massacre, a violência agrária voltou a ser notícia em Rondônia. No dia 8 de agosto, o Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) realizou uma operação contra a Liga dos Camponeses Pobres (LCP) em Machadinho D’Oeste (RO), resultando na morte de um trabalhador rural.

A polícia alegou que a LCP é “um grupo que se oculta sob a fachada de movimento social, mas atua como uma organização criminosa armada”. O comandante-geral da Polícia Militar descreveu o local de ação como um “quartel-general” de um grupo armado, com apreensões de armas e munições.

Entretanto, a Associação Brasileira dos Advogados do Povo (ABAP) denunciou que a operação ocorreu sem ordem judicial e teve o objetivo de intimidar famílias camponesas.

“Tropas do Bope realizaram voos rasantes com helicópteros e efetuaram diversos disparos na região, aterrorizando as famílias que vivem e trabalham na terra. Um camponês foi assassinado pela Polícia Militar, fato confirmado pelo próprio comandante da corporação”, afirmam.

Trinta anos depois, a luta pela terra ainda causa dor

Trinta anos após o massacre de Corumbiara, Rondônia permanece como um dos estados mais violentos do Brasil em conflitos agrários. Em 2023, o estado liderou o ranking nacional de homicídios relacionados a disputas de terra, com 5 das 9 mortes ocorridas no país envolvendo sem-terra.

As idades dos assassinados variam: a mais jovem tinha 24 anos e a mais velha, 54. No entanto, há um fator comum entre todas: a maioria residia em acampamentos, sendo três especificamente no acampamento Tiago dos Santos.

Entre 2020 e 2022, pelo menos 15 homicídios relacionados a conflitos rurais foram registrados em Rondônia, com 11 deles apenas em 2021. Nesse mesmo ano, o estado destacou-se com o maior número de mortes por disputas agrárias em todo o Brasil.

A violência está diretamente ligada à ação de grileiros, fazendeiros e milícias armadas, além da omissão das autoridades, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Por Jaíne Quele Cruz, g1 RO