Nas discussões recentes, o foco tem sido a saúde da população e a gestão responsável dos recursos públicos. De um lado, o Governo do Estado busca uma solução para a crise na assistência hospitalar através da contratação de uma instituição privada. Do outro, entidades médicas e profissionais da saúde, além de especialistas, se opõem à medida, considerando-a arriscada e um possível desperdício de verbas.
É evidente que a situação dos estabelecimentos de saúde em Rondônia é crítica. O Hospital e Pronto-Socorro João Paulo II, por exemplo, é conhecido por seus inúmeros problemas que afetam tanto a população quanto os profissionais de saúde.
A falta de infraestrutura, condições precárias, leitos e equipamentos insuficientes, juntamente com a escassez de medicamentos e insumos e a carência de pessoal, torna o sistema de saúde um símbolo de uma crise que persiste há anos, manifestando-se com diferentes intensidades em outras instituições do Estado, como a Unidade de Assistência Médica Intensiva (AMI) e o Hospital de Retaguarda de Rondônia.
Diante desse quadro, cabe ao Governo do Estado tomar medidas urgentes, sob o risco de falhar em sua obrigação de proporcionar soluções aos problemas que afetam a sociedade local. A saúde pública é uma das áreas mais complexas e delicadas da gestão pública, exigindo investimentos significativos e enfrentando demandas urgentes além do rigor das normas e leis. Por isso, ações apressadas geram preocupação.
Em abril, o Governo de Rondônia anunciou um edital para a contratação de uma empresa para gerenciar os hospitais estaduais. Após um intenso debate, a Controladoria-Geral do Estado (CGE) recomendou a suspensão do processo devido a riscos potenciais para a administração pública. O objetivo é analisar rigorosamente se a atual situação justifica essa medida e se houve falhas no planejamento, desconsiderando princípios de concorrência.
Com relação à grave crise da saúde pública no Estado, a realidade é alarmante. Visitas às emergências e enfermarias revelam o desespero vivido por pacientes, familiares e profissionais diariamente. Contudo, há incertezas se o processo de decisão seguiu o fluxo apropriado, uma vez que relatos de diálogos com médicos, outras categorias da saúde e com a sociedade em geral são escassos. O anúncio parece ter sido feito de forma autoritária, mostrando uma falta de maturidade na abordagem de questões de interesse público.
Com a recomendação da CGE, o Governo do Estado tem agora uma oportunidade de agir de forma transparente, isenta e eficiente. Para isso, é essencial que o projeto seja apresentado em detalhes, permitindo que a sociedade e os profissionais façam contribuições que levem a melhorias na proposta.
A Lei nº 9.637/1998, conhecida como a “Lei das Organizações Sociais”, é a principal base legal para a contratação de instituições desse tipo no Brasil. Essa lei define qualificação para entidades privadas sem fins lucrativos que desejam prestar serviços e estabelece o contrato de gestão para formalizar essa parceria.
No campo da saúde, esse contrato também pode ser fundamentado em legislações estaduais complementares e nas leis federais nº 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde) e nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos). É imprescindível que todos os aspectos desse contrato sejam clarificados, incluindo, entre outros: objetivos, metas, indicadores de desempenho, recursos financeiros e, principalmente, os métodos de acompanhamento, avaliação e responsabilização.
Embora haja defensores da contratação de OSs para gerenciar a saúde pública, existem diversos casos no Brasil que mostram insucessos. Em Santa Catarina, por exemplo, a organização social responsável pelo Hospital Regional de São José enfrentou denúncias de irregularidades contratuais, desvio de recursos e qualidade insatisfatória nos serviços.
Em São Paulo, a Operação Raios-X do Ministério Público investigou um esquema de corrupção envolvendo OSs que administravam hospitais de campanha durante a pandemia de covid-19. A falta de controle rigoroso possibilitou diversas irregularidades, afetando também vários hospitais públicos do estado.
Os casos citados têm em comum a dificuldade de acesso a informações sobre contratos, custos e resultados das OSs, além de falhas no monitoramento pelo governo. Essas brechas favorecem corrupção e priorização de lucros em desfavor da qualidade, onde a busca pela eficiência financeira resulta em cortes prejudiciais aos serviços e às condições de trabalho.
O Governo de Rondônia tem a capacidade necessária para controlar de forma rigorosa a atuação de uma OS na saúde? Lembremos que, após 14 anos, não conseguiu que a construtora contratada finalizasse as obras do Hospital de Urgência e Emergência (Heuro) em Porto Velho, que deveria aliviar a superlotação do João Paulo II, resultando no cancelamento do contrato após elevados gastos financeiros. Isso, sem dúvida, mina a confiança em uma possível parceria com uma organização social.
Os Conselhos de Medicina (Federal e Regional de Rondônia) estão vigilantes quanto a essa situação, assim como a CGE, o Tribunal de Contas e o Ministério Público. Deve-se evitar que o histórico de caos que permeia a assistência em saúde no Estado seja usado como justificativa para a adoção de medidas que podem gerar danos ainda maiores, mesmo que venham acompanhadas das melhores intenções. O gestor eficiente não terceiriza responsabilidades, mas busca soluções, ouvindo a sociedade e respeitando os limites legais.
José Hiran da Silva Gallo
Presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM)
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